Quem é que deixou Eduardo Cunha ser eleito? A prepotência descomunal e o senso de astúcia e oportunismo do presidente da Câmara dos Deputados, seu apetite por corrupção e sua arrogância em desmenti-la e ameaçar as pessoas mostra o quanto ele é um perigo para o país.
E quem elegeu Eduardo Cunha? Boa parte dos cariocas. Já dá para perceber que o Rio de Janeiro, que sofre uma infinidade de retrocessos, contribuiu muito para a chegada ao poder de uma figura dessas, um ex-chefão da Telerj que, como político, era um dos mais medíocres do Estado.
Até ser escolhido presidente da casa legislativa, Cunha era um político inexpressivo. Como vários do PMDB carioca que se promovem causando estragos na Segurança, no Transporte e na Economia, sem dar Educação que preste, sem garantir moradia digna para a população e fazendo pouco e comemorando demais para isso.
Só para se ter uma ideia, outro Eduardo, o Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro tão autoritário quanto seu xará, mas com a diferença de saber usar a simpatia, afirmou, feliz da vida, que a (ex-) Cidade Maravilhosa vai ganhar 10 mil novas casas em um prazo de dez anos.
Façam os cálculos. 10 mil casas em 10 anos. Mil casas por ano. O Rio de Janeiro tem mais de seis milhões de habitantes. Construir mil novas casas é muito pouco, diante da grande população que os recenseadores chegaram a contabilizar, fora aqueles que o Censo de 2010 nem chegou perto, já que sabemos que em muitas favelas os criminosos governam com mãos de ferro, em poder paralelo ao Estado.
E isso com galpões desocupados, edifícios com apartamentos ociosos, muitos terrenos baldios, muito espaço urbano ocioso. O Rio de Janeiro está assim, mesquinho, embora se deva respeitar seu povo, até porque é ele o maior lesado dessa tragicomédia toda.
As pessoas já ficam desnorteadas no direito de ir e vir. Primeiro, foram os ônibus padronizados que fizeram o povo ficar confuso, pegando o 328 para Bananal achando que está pegando o 378 para Marechal Hermes, ou correndo atrás do 229 para Usina acreditando ser o 119 para Copacabana (acho que não existe mais essa linha, né?).
E aí tem a redução de itinerários. Agora é um clone da 455 que só vai até a Candelária, e a pessoa que tem sorte de pegar um lugar sentado no terminal Gelton, no Méier, coitado, vai ter que pegar um ônibus em pé na Central, chegando cansado ao trabalho na Zona Sul.
E o secretário Rafael Picciani, em seu complexo de superioridade - de repente o rapazinho rico passou a se achar "entender de ônibus" - , disse que isso era para "racionalizar" o sistema de ônibus. e ele, com sua "vivência" no transporte coletivo (deve ter conhecido os ônibus cariocas através das novelas da TV Globo), acha que só 20% da população iria usar a baldeação.
Vá entender. Para ele, ônibus com lotação ideal é aquele que sai do ponto inicial com todos os passageiros sentados e no mínimo seis pessoas em pé. E tem os ambulantes e o pessoal que carrega caixas de isopor com bebida para vender na praia.
Isso é reflexo do autoritarismo dessa turma toda da política carioca, seja Eduardo Cunha, seja a turma do Eduardo Paes, Luiz Fernando Pezão e Sérgio Cabral Filho, sejam os "generosos" Carlos Roberto Osório, amigo dos "cartolas", o José Mariano Beltrame que hoje é acusado de improbidade administrativa e tudo o mais. Fora da órbita do PMDB, só a trolagem parlamentar de Jair Bolsonaro.
VAMOS "SER FELIZES"?
Dá para perceber que, nas mídias sociais, os cariocas e seus simpatizantes do Sul e Sudeste andam muito, muito aborrecidos. Eles querem um Facebook feliz, um Twitter asséptico, um WhatsApp alto astral, um YouTube mais condescendente, um Instagram mais positivo.
Essa "boa sociedade" e seus colegas de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, andam boicotando quem faz muitas críticas aos absurdos da realidade de hoje e andam definindo esses contestadores como "chatos" e "insuportáveis". A onda de "acomodados" ou "conformados on line" quer que as mídias sociais sejam quase um mar de rosas.
A gente diz quase, porque, se for para esculhambar o Partido dos Trabalhadores e dizer que Luís Inácio Lula da Silva é reencarnação de Al Capone, isso é válido. Dizer que o PT foi o partido mais corrupto da História do Brasil - ninguém mais se lembra da roubalheira da República Velha - também é estimulado pelos Acomodados On Line.
Mas, fora isso, o que se aceita são vídeos de bichos fazendo gracinhas, crianças pequenas cantando - tinha um menino cantando sobre galinha, sobre pintinho fazendo piu-piu - , publicar fotos tomando cerveja em alguma adega em Petrópolis ou similares e fotos com times de futebol carioca. Claro, é o fanatismo do futebol que faz cariocas gritarem até mesmo no final da noite.
Só que esse "convite à felicidade" não tem a ver com a celebração do bom humor para levar a vida na frente. Até porque as pessoas que pensam assim são as mais mal-humoradas do mundo. Eles cobram dos outros a "felicidade" que são incapazes de transmitir.
Esse "convite" tem muito mais a ver com o peso da consciência de uma parcela de cariocas "bem de vida" que, apoiados por seus congêneres do Sul e Sudeste, elegeram o Eduardo Cunha esperando que ele desse uma injeção de moralidade no país. Acabou ele fazendo o contrário.
Elegeram Cunha e também o Bolsonaro e por isso pagaram um preço caro de ver dois encrenqueiros no Congresso Nacional. Isso refletiu uma vocação autoritária dos cariocas que, num momento, permitia a trolagem aberta nas mídias sociais, mas como hoje isso pode ser enquadrado como crime, dependendo do caso, agora a onda é o mau humor enrustido.
"Vamos ser felizes e pronto". Que inventemos o "mar de rosas" artificial nas chamadas "redes sociais", já que se tem até praia artificial, no entorno de Madureira e bairros vizinhos. Se é livro para colorir, aceitemos. Se é vlogues de piadas no YouTube, aceitemos. Se é criancinha dublando cantor veterano na TV, aceitemos. Mesmo se a marquise cair sobre nossas cabeças.
A ideia é se preparar para as Olimpíadas e darmos a impressão de que somos felizes para os turistas, que o Rio de Janeiro é a cidade mais moderna do mundo e até o esgoto da Baía da Guanabara deve ser visto como uma lama medicinal temperada por algas marinhas no cio.
A obrigação da "felicidade" exigida pelos cariocas "bem de vida" e seus "papagaios de pirata" que vivem até em Londrina, Uberlândia e Mogi das Cruzes, a aceitação de que, num momento de intensa decadência cultural, a cultura de qualidade sobrevive fechada em espaços raros e pequenos que nem seus apreciadores conhecem, tem, portanto, dois motivos.
Um é esquecer que o Rio de Janeiro, com seus retrocessos e o reacionarismo das elites - até os trolls cariocas tinham o temperamento e o QI do Comando de Caça aos Comunistas - , é em boa parte responsável pela eleição de Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro, que despejam seus preconceitos sociais lá em Brasília.
Outro é preparar-se para o evento Rio 2016 e dar a impressão de que se trata de uma nação feliz, alegre, positiva. Por isso é que, quando pessoas andam carregadas de senso crítico, analisando problemas sérios e urgentes, a discriminação contra elas explode nas mídias sociais e o sol artificial dos "bem de vida" se torna uma tempestade de nuvens cinzas e trovões de mau humor e desaforos.
Até quem tem boa cultura e vê seus espaços serem fechados passaram a ficar felizes, como as pessoas que perdem livrarias e espaços de arte e acham que lhes basta pesquisar arte e literatura pelo Google (inclusive o Google Livros que nunca reproduz um livro na íntegra)
Ou então, no âmbito musical, é a MPB com novos talentos isolados e exilados em programas obscuros da TV paga e webradios de rock que não dão para sintonizar na praia, enquanto a Rádio Cidade, na sua forte sintonia disponível em qualquer lugar e também com versão webradio, trata a cultura rock como se fosse uma bobagem curtida por filhinhos-de-papai.
Quer dizer, temos que ser felizes para os outros ou eles reagirão infelizes conosco. Se perdemos quase tudo, fiquemos felizes e agradeçamos aos nossos algozes que nos fazem de gato e sapato. Tudo por umas míseras medalhas de ouro e prata que pouquíssimos dos nossos atletas ganharão nas arenas cariocas. Tudo para darmos a impressão de falsa felicidade para os turistas que trarão para nós menos dólares do que o esperado.
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