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O maior discípulo de Chico Xavier é o ministro Paulo Guedes


Embora consideremos o governo Michel Temer como o "governo mais espírita do Brasil", com base nas diretrizes conservadoras do "espiritismo" brasileiro que exige mais sacrifícios e renúncias aos aflitos e culpabiliza as vítimas pelo sofrimento que lhes atingem, no governo Jair Bolsonaro temos um grande seguidor dos "ensinamentos" de Francisco Cândido Xavier.

Sim, é isso mesmo. O ministro Paulo Guedes, que atuou entre os "Chicago Boys" da ditadura do general Augusto Pinochet - a menção a Chicago remete à Universidade de Chicago, onde os tecnocratas da ditadura chilena se formaram depois de estudar ideias ultraliberais da pesada - , é o maior discípulo de Chico Xavier.

A "generosidade" de Paulo Guedes se encaixa com a do "médium": renunciar aos bens e aos benefícios para viver o mínimo possível. Aceitar os infortúnios em silêncio, sem queixumes. Trabalhar mais, ganhar menos, obedecer ao patronato, conforme reza a partilha da submissão e da servidão religiosas.

A recente declaração de Paulo Guedes de ameaçar com um "novo AI-5" - "Não se assustem quando alguém pedir um novo AI-5 contra protestos", disse o ministro - a quem protestar contra seu plano econômico é mais um item que liga o economista ao suposto médium. Isso porque Chico Xavier, sem o menor escrúpulo, apoiou a ditadura militar e o próprio AI-5 na sua maior demonstração de reacionarismo.

E quem acha que Chico Xavier cometeu essa atitude - lembremos que ele compareceu a uma homenagem na Escola Superior de Guerra, coisa que um humanista nunca faria, passando pano nos opressores e abandonando os oprimidos - pelo calor do momento, mas depois aprendeu a lição e mudou, ou que seu reacionarismo não tinha efeito doutrinário, se engana completamente.

Primeiro, porque Chico Xavier foi reacionário até o fim. Ele foi um anti-petista por antecipação, de forma mais radical do que se imagina. Segundo, porque ele, que defendeu a ditadura até o fim, expressou ideias conservadoras em seus livros, apenas usando palavras suaves como quem adoçasse um veneno (cicuta ou "chicuta"?) para torná-lo saboroso.

Vejamos esse texto, "Recomeço", do livro Doutrina Escola, de 1996, que é uma ode à servidão humana, embora as pessoas tenham grande dificuldade em perceber:

""RECOMEÇO

Quando o teu próprio trabalho te pareça impossível ...
Quando a dificuldade e sofrimento te surjam a cada passo ...
Quando te sintas à porta de extremo cansaço ...
Quando a crítica de vários amigos te incitem ao abatimento e à solidão ...
Quando adversários de teus ideais e tarefas te apontem por vítima do azar ...
Quando as sombras em torno se te afigurem mais densas ...
Quando companheiros de ontem te acreditem incapaz a fim de assumir compromissos novos ...
Quando te inclines à tristeza e à solidão ...
Levanta-te, trabalha e segue adiante.

Quando tudo reponte no caminho das horas, não te desanimes, porque terás chegado ao dia de mais servir e recomeçar.".

Pensemos bem. Esse texto é bem Paulo Guedes, que "caridosamente" pensa em aumentar em milhões as vagas de empregos ao cancelar os encargos trabalhistas. E isso é bem Chico Xavier, porque apela para a renúncia, a abnegação e o desapego, conforme o "espiritismo" chiquista que muitos apreciam sem conhecer.

BOLSONARISMO

O governo Jair Bolsonaro é protegido espiritualmente por Chico Xavier. Há as afinidades de atribuições porque ambos foram arrivistas e compartilham de, praticamente, todas as ideias ultraconservadoras. Embora Chico Xavier se declarasse repudiar a violência, ele consente com certos crimes quando atribui às vítimas a culpabilidade, sem qualquer embasamento científico, mas dentro do conceito moralista dos "resgates espirituais".

Vide o caso do incêndio num circo em Niterói, às vésperas do Natal de 1961, que Chico, cinco anos depois, no livro Cartas e Crônicas, quando acusou os mortos do incêndio de terem sido "gauleses sanguinários", numa demonstração de falta de piedade e desobediência aos ensinamentos espíritas originais, que não recomendam especular gratuitamente as reencarnações para evitar graves danos.

As pessoas se baseiam num Chico Xavier feito "fada-madrinha", através da propaganda da Rede Globo durante a ditadura militar, e por isso se revoltam quando há uma revelação desagradável sobre sua pessoa. Leem os livros de terceiros, que "testemunham" um Chico Xavier adocicado, e se irritam quando se fala que o "médium" era um dos baluartes do pensamento conservador brasileiro.

Se Chico Xavier tivesse sido progressista, ele teria vibrado para que cenários políticos reacionários se perecessem rapidamente. Isso nunca aconteceu. E não adianta os "espíritas de esquerda", essa massa confusa que mistura o Pacto Áureo da FEB com Manifesto Comunista, dizerem que Chico Xavier "nunca foi salvador da pátria", "nunca foi semi-deus" etc, porque a divinização de sua figura ocorre até mesmo entre os "isentões" e "esquerdistas" que se acham com os pés no chão, mas ainda voam em nuvens.

Jair Bolsonaro só teve crises e mais crises, mas seu governo fica em pé. As esquerdas é que, tomadas de um surto misticista e religioso preocupantes, acham que basta tirar Lula da cadeia para o esquerdismo voltar ao poder, com pessoas de mãos dadas rezando para Deus e para reaças do porte de Madre Teresa de Calcutá e Chico Xavier para devolverem a trajetória progressista para o Brasil.

O resultado é esse. Jair Bolsonaro ameaçando se fortalecer com a tal "Aliança pelo Brasil" - cuja sigla risivelmente inclui a inicial de uma preposição (APB - lembra Xuxa só para Baixinhos, XSPB - e Paulo Guedes ameaçando reprimir quem for contra seu projeto econômico. Sem falar da sorte que têm os filhos de Jair, Carlos Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e, sobretudo, Eduardo Bolsonaro, que, pelo jeito, deve implantar a tal "Pátria do Evangelho" no Brasil.

O "espiritismo" brasileiro, de tão conservador, abriu mão da antiga animosidade com as seitas neopentecostais - vamos lembrar que Edir Macedo, R. R. Soares e Chico Xavier eram ídolos religiosos forjados pela ditadura militar, com a aparente rivalidade dos dois primeiros com o outro por interesses circunstanciais - , se nivelando até mesmo a seitas de baixa categoria como a Igreja Mundial do Poder de Deus e a Igreja Batista da Lagoinha.

As esquerdas é que ignoram isso, apoiando um "espiritismo de esquerda" muito confuso, que mistura ideias conservadoras com progressistas, num grande engodo. Mas também, com as esquerdas endeusando o "funk", o futebol - esporte que esconde, por trás de seu espetáculo, interesses gananciosos de empresários e dirigentes esportivos - e o "espiritismo", achando que esses três entes vão, com a ajuda de Deus, tirar Bolsonaro do poder, dá para perceber a ingenuidade que escraviza as almas progressistas, que no Brasil desprezam seu potencial histórico de luta e rebelião.

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