Em 2015, um dos piores anos do mercado literário brasileiro, surgiram fenômenos pitorescos que transformaram o ato de ler livros num antro de burrice e anestesia da alma, sem que coisa alguma seja acrescentada à breve vida em que vivemos.
Romances sobre jovens vampiros, biografias de cachorros com nome de roqueiros - a ideia era dar sequência ao cachorro Beethoven das insossas comédias enlatadas que passam na TV - , romances sobre jogos eletrônicos de Minecraft e a onda dos "youtubers", que são aquelas pessoas que ficam falando frivolidades na Internet, não necessariamente em vídeos do YouTube mas às vezes pelo Spapchat ou WhatsApp.
Os youtubers acabam sendo uma grande aberração, embora os primeiros escritores da leva tivessem vindo com alguma inteligência, dentro daqueles limites da geração MTV dos anos 90. Mas, depois dos primeiros autores, vieram pessoas que só falam bobagens e cada tolice que fazem vira tópico das 10 Mais do Twitter. É só um youtuber do momento espirrar, ele vai para o topo do Twitter. Ver que esse besteirol se transforma em cento e tantas páginas campeãs de vendas é assustador.
Mas junto a todos eles 2015 veio com o aberrante fenômeno dos "livros para colorir". "Literatura (?!) anti-estresse", prometia o filão. Vieram então "jardins secretos", "florestas encantadas", "oceanos perdidos", um grande desperdício de papel já que páginas para colorir podem ser baixadas livremente na Internet. Era algo na contramão de um país que começa a eliminar os jornais impressos.
A aberração era tão grande que os "livros para colorir" chegavam aos mais vendidos no critério de "não-ficção". Sim, é isso mesmo que você leu: NÃO-FICÇÃO. O que esses livros oferecem de realidade para as pessoas não dá para entender, e o pior é que uma média de três títulos aparecia nas listas dos mais vendidos. Os livros do gênero só começaram a decair este anos, mas o cenário do ano passado continua hoje a atingir níveis devastadores, num quadro desolador.
Há uma fuga voraz dos leitores médios do "monstro" do Conhecimento. A maioria dos livros mais vendidos corresponde à literatura água-com-açúcar: livros de auto-ajuda, livros religiosos, youtubers, livros sobre frivolidades diversas - vai uma dona de casa lançar um livro de tolices cotidianas tipo "Meus Filhos em Orlando à procura da Minnie" ou "Reflexões de um Pinguim de Geladeira" - e poemas inexpressivos sobre "lições da vida".
Sim, as pessoas fogem de medo de tudo o que representa saber. Quando muito, apenas aceitam obras informativas combinando visibilidade (como autores do nível de Fernando Morais), autores consagrados (Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade), obrigações acadêmicas ou de seleções para concursos (livros didáticos, apostilas ou obras exigidas em programas de estudo) ou manuais de instrução ou dicas culinárias e nutricionais para atividades práticas no cotidiano.
Fora isso, é uma corrida desesperada da fuga do saber. Se o livro combina um conteúdo questionador e a baixa visibilidade de seu autor, um emergente que não tem a sorte de ser um poderoso youtuber, a atrair milhares de seguidores falando muito e dizendo pouco, ele simplesmente tem dificuldades de ser vendido.
As pessoas que leem literatura água com açúcar, neste pais em que todo mundo tem mania de usar desculpas elaboradas para atitudes reprováveis, tentam dizer que praticam o hábito de ler livros "para relaxar" e não para "ficarem preocupados". Por isso os temas sem compromisso com o conhecimento, mas que, segundo tais pessoas, "sempre servem para aprender alguma coisa na vida".
Essa desculpa se refere sobretudo aos livros religiosos. É assustador ver que, nas bienais dos livros do Brasil, se permita que estandes da FEB sejam montados com o realizador de pastiches literários, Francisco Cândido Xavier, apareça em destaque. Chico Xavier cometeu fraudes literárias aberrantes e foi beneficiado pela mais absoluta impunidade que alguma pessoa poderia ter, sendo visto por seus deslumbrados seguidores até como um suposto intelectual!
O que vemos é que as pessoas pensam que são inteligentes, porque o saber já chega pronto, servido pela televisão como um combo de lanchonete. As pessoas têm medo de conhecimentos mais questionadores pela insegurança de derrubar convicções formadas pela manipulação midiática, pelo proselitismo religioso, pela pregação moralista de pais e professores, além do medo de reduzir a nada a galeria de ídolos fantasiosos acumulada desde a infância.
Daí a burrice de acreditar que "não precisamos pensar, porque já nascemos inteligentes". A estupidez em doses mesquinhas e arrogantes que ocorre nas mídias sociais, em que a pessoa faz um selfie e já está pedindo o Nobel da Paz para si mesma permite com que a cultura no Brasil seja um processo abaixo do indigente, apreciando artistas ruins, celebridades fake, valores retrógrados e literatura sem conteúdo voltado ao saber.
É o retrato de um Brasil que faz tudo para fugir de questionamentos, apelando para o hábito medieval de domar a capacidade de raciocínio, como se fosse sinal de equilíbrio impor limites ao saber, quando isso não é equilíbrio, mas censura, repressão, obscurantismo.
Pois é estimulando as pessoas a evitar o saber aprofundado e contestador que se estabelecem privilégios, quando os segredos de muitas armadilhas ideológicas, culturais, políticas, econômicas, tecnológicas etc, deixam de ser revelados. Com esses segredos protegidos sob sete chaves, mantém-se os privilégios das elites dominadoras e exploradoras da multidão simples, e é banindo o Conhecimento que se mantém o privilégio de tiranos, corruptos e mistificadores de todo tipo.
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