O preço do cigarro deve estar baratinho demais para que a população das capitais do Sul e Sudeste, sobretudo o Rio de Janeiro (as demais são Curitiba, São Paulo e Porto Alegre), para o pessoal sair fumando adoidado pelas ruas. Pelo jeito, devem almoçar, jantar e lanchar cigarro.
É terrível ver isso. A arrogância e o descaso que os fumantes têm com os outros, andando pelas ruas expelindo suas fumaças tóxicas que poluem a atmosfera e incomodam os não-fumantes, que cada vez mais perdem espaço nas ruas, sobretudo as que são cercadas por verdadeiras muralhas de prédios, são chocantes.
Embora boa parte das pessoas que insistem em fumar já são velhas, e por sinal bem mais velhas que suas aparências sugerem - há gente com apenas 56 anos que aparenta ter vinte a mais - , há muitos jovens fumando e estes, então, são os mais arrogantes e desrespeitosos possíveis.
A arrogância dos fumantes é clara quando vemos esse pessoal, geralmente razoavelmente abastado e com educação suficiente para ter bons modos, joga o cigarro no chão, fazendo cara feia, toda vez que vai entrar num ônibus ou ir a uma estação de metrô ou algum recinto qualquer que proíba o fumo.
Que o Rio de Janeiro virou um antro de conformismo, de indiferença e de falta de sensibilidade, com os cariocas perdendo até a percepção do fedor das fezes de cachorros à sua volta, enquanto preferem uma felicidade que assusta pela ignorância absoluta dos graves problemas em volta, isso é verdade, a mais contundente verdade.
As supostas "cidades-modelo" do país estão ruindo numa decadência avassaladora e irreversível. Depois da "noite de Cinderela" dos jogos olímpicos, o Rio de Janeiro volta à sua trágica decadência, depois do relativo cartaz mundial dos breves eventos esportivos, que aliás deram fim a um ciclo espetacularizado da Era Eduardo Paes de 2009.
Hoje não dá mais para usar São Paulo como paradigma para medidas, fenômenos ou mesmo modismos a serem impostos para o resto do país. Hoje o Rio de Janeiro perde essa condição, causando desespero na plutocracia, exceto nos cariocas, que reagem à decadência como se ela fosse uma piada de A Praça É Nossa.
Curitiba "deixa de ser" a "Escandinávia brasileira" que no fundo nunca foi, com o reacionarismo direitista, com a vingança sanguinária dos machistas, com a corrupção política, com a tirania do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal, e dos ônibus padronizados que perderam a razão de ser (hoje é comprovado o fracasso de jogar diferentes empresas de ônibus sob uma mesma pintura de "consórcio", "zona de bairros", "tipo de ônibus" e outros critérios).
Porto Alegre era a capital da cultura de vanguarda, do ativismo político, até meados dos anos 90 parecia ser a San Francisco brasileira, pela juventude que prometia transformar o país à sua maneira, chamando a atenção de cariocas e paulistas. Mas hoje Porto Alegre virou antro da violência, sua maior manifestação "cultural" é a tchê-music (precursora do "sertanejo universitário") e, depois do Rio de Janeiro, virou reduto de fanatismo doentio pelo futebol, com gritarias até na noite.
As cidades que no passado revelaram nomes como Paulo Leminski, Érico Veríssimo, Tom Jobim e Mário de Andrade hoje não passam de províncias mofadas, sujas, sem civilidade, cidades que pararam no tempo, provavelmente em algum ano da década de 1990 (a década perdida brasileira), com uma mentalidade atrasada de fazer o coronelismo do Norte e Nordeste nos tempos ditatoriais parecerem a vanguardista Swinging London dos anos 1960.
Todas essas quatro capitais, que deixaram de ter a reputação de lugares modernos e de vanguarda cultural ou social de qualquer espécie, mostram gente fumando adoidado, fazendo cara de arrogância e desprezo ao outro, atitude que é o que existe de mais decadente e doentio numa pessoa.
A gente até vê, com justa indignação, o quanto supermercados e outros estabelecimentos comerciais, na contrapartida dos reajustes dos preços de alimentos e de laticínios, aumentarem muito pouco os preços dos cigarros, fazendo a festa dos fumantes inveterados que podem comprar estoques mensais de, pelo menos, vinte maços.
Nas bancas, pessoas que "não têm dinheiro" para comprar bons livros (nada a ver com os estúpidos best sellers entre os quais até "livros para colorir" são enquadrados como não-ficção) usam o mesmo valor que alegam "não possuir" para comprar maços e maços de cigarros, só comprando por vez para não assustar a criançada.
Só que essas pessoas brincam com fogo com sua arrogância masoquista e o conselho que se dá, mesmo a um jovem fumante, é que arrume o tempo para escrever um testamento e fazer um levantamento dos bens que deixará para seus entes queridos. Fumantes já deveriam se preparar para se despedir dos seus melhores amigos o quanto é tempo.
Quanto a estes, melhor seria que fossem curtir e conviver o máximo possível com os fumantes, porque mesmo os mais jovens poderão não estar mais entre nós, pelo menos na forma física. Se bem que, no mundo espiritual, a maioria dos fumantes das citadas capitais brasileiras estará perturbada demais sequer para estar na Terra cuja podridão lhes assustará vista sob outro ponto de vista.
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