Assusta a tranquilidade das pessoas diante do cenário calamitoso do governo de Michel Temer, que simboliza o que há de mais retrógrado em sua volta, e que no entanto nada faz abalar sua tranquilidade e sua alegria diante dos tempos sombrios que já prenunciam.
Que as pessoas possam manter tranquilidade e alegria diante de dificuldades, vá lá. Que elas possam superar tragédias e infortúnios mantendo o senso de humor, tudo bem. Que a esperança é a última que morre, como diz o ditado popular, isso é compreensível. Mas a situação de hoje não permite isso, temos uma tragédia na frente e as pessoas felizes, na areia da praia, jogando bolinha, vendo WhatsApp...
É como um dia de praia, com um sol maravilhoso, céu de brigadeiro etc, que termina numa noite de violenta tempestade, com raios, ventos fortes, chuva pesada e enchentes. Na tarde aparecem brancas nuvens que formam uma espécie de "montanha de algodão" e tudo parece lindo e feliz.
Só que essa formação de nuvens se torna azul e, depois, cinza, e, quando atinge uma coloração castanha, pode se preparar porque aí é que virão os raios e as trovoadas que obrigam as pessoas a irem para casa e evitarem usar aparelhos eletrônicos. Portanto, adeus, WhatsApp, e não adianta disparar trolagens xingando fulano e sicrano porque, se o raio atingir o celular, o troleiro morrerá eletrocutado.
Não por acaso, realidades trágicas assim acontecem no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba (a praia é só cortesia do cotidiano carioca), antigas "cidades-modelo" brasileiras que sofrem decadências profundas e surtos de reacionarismo sociopolítico que contribuíram para o cenário deplorável em que vivemos.
O governo de Michel Temer é movido pela insegurança político-institucional, que revela a corrupção de setores da Justiça, o Ministério Público e o Poder Judiciário, cada vez menos comprometidos com o rigor da lei e cada vez mais voltados a ações tendenciosas, hesitantes e oportunistas.
Temer segue a mesma cartilha. Impõe uma agenda extremamente retrógrada, recua em alguns pontos, não oferece segurança para a direita e é recebido com repúdio extremo pela esquerda. Mas é tolerado e aceito confortavelmente por setores da sociedade que parece viver numa felicidade inabalável.
As riquezas brasileiras serão vendidas para empresas estrangeiras, sem representar uma real compensação para a renda dos brasileiros. Propostas de reforma trabalhista que farão com que trabalhadores terão uma realidade degradante à sua frente, recebendo menos salários e perdendo garantias sociais, consolidando rotinas desumanas de empresas como Riachuelo e McDonalds, serão oficial e definitivamente implantadas.
A decadente grande mídia brasileira - que não pode assumir a decadência e empurra com a barriga até a queda de audiência, compensando com sintonias compradas em estabelecimentos comerciais - mostra uma realidade de contos de fadas, com Henrique Meirelles no papel de Papai Noel, para dar brinquedos para a criançada, e muita gente acredita e vai dormir tranquila.
O pior é que a equipe de Michel Temer é composta não somente por políticos incompetentes envolvidos em escândalos de corrupção (os mais sérios, os mais graves, diga-se de passagem), mas acusados até de crimes. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, por exemplo, é acusado de ter sido advogado de criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Longos e grossos volumes de livros, numa série de centenas, teriam que ser acumulados para descrever os casos de corrupção envolvendo todos os políticos que, direta ou indiretamente, estão associados ao governo Temer. O próprio Michel Temer já é um dos incluídos, tendo sido até um condenado político, estando proibido de se eleger a qualquer cargo público por oito anos.
No entanto, as pessoas que vivem um estado viciado de "felicidade" e acreditam que no governo Temer só existem pessoas de "notório saber técnico", pouco se importando com as gafes que o ministro da Relações Exteriores, o antipático, arrogante e analfabeto em diplomacia José Serra, faz no seu cargo, incluindo desconhecimento sobre o bloco econômico BRICS e uma piada machista contra senadoras mexicanas.
Os corruptos do governo Temer assumiram o poder para livrar-se de condenações judiciais, ou para amenizar o rumo das investigações. Mas o cidadão médio acha que isso "não vem ao caso" e cria uma novela política na qual seus principais heróis são Michel Temer, José Serra, Henrique Meirelles, Sérgio Moro, Eliseu Padilha e outros que, a seus olhos, "são gente muito séria e responsável, que realmente sabe das coisas".
Deixam a Petrobras se dissolver em vendas graduais de seu espólio para companhias petrolíferas estrangeiras, achando que os estrangeiros são pessoas altruístas que vão dar tudo que têm para o povo brasileiro. E acham que, privatizando empresas públicas, o serviço melhorará assim que seus compradores, tidos como "gente responsável e especializada", assumirem os serviços.
Ficam felizes até com as propostas de privatização do ensino público, que acreditam permitir maiores investimentos à Educação. E felizes com a privatização da saúde pública, ignorando a hipocrisia da saúde privada, cuja boa parcela de suas tarifas serve para as festas chiques dos médicos de nome e seus (suas) cônjuges altamente elegantes e atraentes.
Tanta serenidade que faz os ricos sentirem a impressão de que estão vivendo no paraíso. Coitados. Diante das sérias restrições impostas às classes populares, corremos o risco de voltarmos a períodos de turbulência política e crise econômica grave, que sempre resultaram em ondas de assaltos e latrocínios que, não raro, matam muita gente rica, também.
Nos períodos dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo e nos governos civis de José Sarney e Fernando Collor, estouraram surtos de assaltos, sequestros e latrocínios, a ponto de fazerem as pessoas ricas recorrerem a serviços particulares de segurança e à fortificação de condomínios, mansões e casarões.
Foi Collor confiscar as poupanças dos brasileiros para explodir as ondas de sequestros. os latrocínios etc. E, hoje, quando o apetite das elites privilegiadas, que compõem o que se chama de "plutocracia", se torna ainda muito maior do que durante a ditadura militar ou a Era Collor, tragédias piores podem acontecer.
Afinal, o povo pobre não gostará de perder o protagonismo histórico e as conquistas sociais que lhes pareciam definitivas. Se o apetite das elites em reconquistar o poder se tornou desmedido, a reação do povo que perde direitos também será drástica. Como as propostas do governo Temer tendem à exclusão social, o risco de muitos populares caírem no crime pela falta de opções para obter renda pela via honesta é muito grande.
Assaltos acontecerão nas entradas dos condomínios de forma a obrigar que motoristas tenham que se mover com habilidade olímpica para entrar em suas garagens para evitar o assédio de assaltantes furiosos. E até as praias, redutos da "felicidade" desmedida dos desavisados de hoje, terão que se adaptar à rotina de arrastões.
O cenário político atual não fez encerrar a crise política, que também não se encerrará se caso Michel Temer ter que deixar o poder - ele é investigado por irregularidades eleitorais da chama Dilma-Temer de 2014 - e uma eleição indireta eleger seu sucessor (provavelmente, alguém do PSDB).
Pelo contrário, com pessoas assim no poder, mais voltadas a interesses de grupos financeiros e setores moralistas e ultraconservadores da sociedade, o que se pode esperar é que a crise só aumente de maneira descontrolada, até pelo fato das elites e da parcela solidária da classe média se cegarem numa "felicidade" imprudente e exagerada.
A solução para a plutocracia reverter essa crise deveria ser fazer tudo para reduzir suas finanças, suas posses materiais e parar de sonhar com as listas da Forbes. Se não devolverem o dinheiro para o povo brasileiro, nesse contexto imprevisível, só restará aos ricos desmedidos o uso do excedente de dinheiro para pagar o funeral de seus filhos. O Brasil não vive uma situação fácil.
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