Pular para o conteúdo principal

"Desafio Charlie" é uma perigosa brincadeira infanto-juvenil. Mas tem a dos adultos


Há uma folha de papel em que as palavras "Sim" e "Não" são escritas duas vezes, em posição diagonal, formando uma quadrinha. Sobre esta folha, dois lápis são colocados, um sobre o outro e em posição transversal, formando uma cruz.

Pessoas que participam desse joguinho fazem então as suas regras: fazem perguntas quaisquer, e depois interrogam: "Charlie, você está aqui?". Se o lápis apontar para uma das opções, a resposta será correspondente à palavra apontada pelo lápis de cima. Por exemplo, se o lápis aponta para "Sim", a resposta é afirmativa.

A brincadeira é bastante perigosa e causa mal-estar na medida em que as pessoas passam a sentir a presença de espíritos zombeteiros e levam o jogo às últimas consequências. Em certos casos, as perguntas maledicentes, sobre os destinos que os curiosos querem dos desafetos, aumenta mais a influência de espíritos obsessores.

Claro, é uma brincadeira infanto-juvenil e é fácil condená-la. Com toda a certeza, também consideramos a prática condenável e bastante nociva. Como outras como a tábua Ouija, a brincadeira dos três copos e outros jogos maliciosos.

E aí perguntamos se, no lado do "movimento espírita", feito por adultos que se declaram experientes, amadurecidos e disciplinados, a tal mediunidade que eles alegam exercer está isenta do perigo e da ação de espíritos obsessores.

Eles até dizem que "alguns casos" de alguns "espíritas pouco cautelosos" estão sujeitos a "acontecer, sim", mas a "regra" que eles seguem é "conduzir a mediunidade com a máxima disciplina e sempre procurando a ação do bem, o perdão e a fraternidade". Então tá.

Na prática, porém, a "mediunidade" feita pelos "espíritas" brasileiros é quase sempre de fraudes e mistificações. Consta-se que, se os "irmãozinhos sofredores" (eufemismo para espíritos obsessores) agem nessas atividades, é em boa parte indireta, porque a maioria do que se supõe ser psicografias, pictopsicografias e psicofonias vem da própria imaginação do suposto médium.

E, para desespero de muitos, as fraudes vêm mesmo de pessoas "de altíssima reputação" como Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Pior: existe até mesmo um livro que tentou substituir o seguro e preciso O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec, chamado Nos Domínios da Mediunidade.

Lançado em 1954, Nos Domínios da Mediunidade é um livro lançado por Chico Xavier atribuído ao espírito de André Luiz, que, sabemos, nunca passou de pura ficção. Há indícios de que Waldo Vieira teria co-escrito o livro.

Fã de ficção científica e "médium" desde a infância, Waldo, hoje ligado à Conscienciologia e Projeciologia (arremedos brasileiros da Cientologia), teria dado sugestões para o personagem André Luiz desde a elaboração de Nosso Lar, em que pese sua estrutura narrativa ser copiada, na essência, de A Vida Além do Véu, do inglês George Vale Owen.

Pois Nos Domínios da Mediunidade, que em boa parte parece ser um plágio de No Invisível, de Leon Denis (admirador frágil e cheio de preconceitos religiosistas de Allan Kardec, embora sem o caráter grotesco dos "espíritas" brasileiros), soa como um receituário confuso sobre mediunidade, mas no fundo não é mais do que um equivalente sofisticado ao "roteiro do Desafio Charlie".

Pois o "Desafio Chico" consiste em criar uma mensagem apócrifa cheia de apelos religiosos. O "médium" cria, da sua própria mente, uma historinha triste, do falecido que sentiu angústia depois que morreu, foi socorrido nas colônias espirituais, soube o valor de Jesus Cristo e retornou para dizer para as pessoas da terra se unirem "no amor e na fraternidade cristãos".

É sempre esse mesmo roteiro, podendo valer tanto para João Paulo II quanto para Ronnie James Dio, tanto para Sérgio Naya quanto para Mahatma Gandhi. Descontadas umas pequenas variações de roteiro, a historinha fica sempre nessa essência, nesse propagandismo religioso barato.

E onde está o "Desafio Charlie" nessa? Ora, está nas famílias de adultos e idosos que perderam entes queridos e recorrem aos "Ouija humanos" que são os ditos "médiuns espíritas". E aí as pessoas têm a mesma curiosidade, a mesma ansiedade, dos praticantes do "Desafio Charlie".

Tem até a perguntinha "(Ente falecido), você está aqui?" e Chico Xavier, que se declarava o "lápis de Deus", tendo sido, enquanto vivo, o "instrumento humano" do "Desafio Chico", poderá dizer "sim" ou "não" e a pessoa acreditar.

O "Desafio Divaldo" é a mesma coisa, com a diferença que Divaldo Franco, espécie de concorrente frustrado do Orlando Drummond no dom de imitar velhos bonachões (o "Seu Peru" de Escolinha do Professor Raimundo é imbatível nessa função), também inventa falsetes que ele vai logo dizendo que é algum personagem do século XIX, seja Adolfo Bezerra de Menezes, Marechal Deodoro, Dom Pedro II etc.

Mas como essas brincadeiras são feitas com adultos e estão de acordo com as hierarquias familiares, elas são tidas como "sérias" e "confiáveis", até porque usam o verniz da "caridade" e da "fraternidade" e se apoiam apenas em mensagens "edificantes" e "consoladoras".

Coitados! Mal sabem quantas mensagens de espíritos traiçoeiros são muito carregadas de mel e que mesmo a fúria de muitos deles não os faz incapazes de aconselharem os supostos médiuns a escrever textos de tão esplendorosa mansuetude.

Iludidos pela mera condição material do tempo biológico e da utopia da "experiência de vida", muitos pais, mães, avôs e avós se perdem em tamanhas fantasias, seduzidos pelo apelo religiosista carregado, pela fé deslumbrada tida como "raciocinada" e por mensagens apócrifas que os entes falecidos nunca seriam capazes de escrever.

Iludidos, igualmente, pelas hierarquias terrenas, não sabem que correm o mesmo perigo dos participantes do "Charlie Challenge" e práticas semelhantes, e sabemos o quanto o mundo adulto não está imune a surtos de vergonhosa imaturidade, desses que fazem qualquer criança pequena ficar constrangida.

A mediunidade falsa, irresponsável e mais preocupada com a propaganda religiosa, "mendigando" a fraternidade que não é capaz de exercer - e há muitos ateus que deram um banho de fraternidade em Chico Xavier, como Carl Sagan, Millôr Fernandes e Paulo Freire - fazem com que o "movimento espírita" se torne uma prática muito perigosa.

Falam que não temos tolerância religiosa com o "espiritismo". Isso não é verdade. Tolerância com religiões nós temos. O que não temos tolerância é com a mentira, a fraude e o charlatanismo. E o "espiritismo", lamentavelmente, se serve de muitas fraudes e mistificações, além de pregar um moralismo embolorado que faz apologia ao sofrimento humano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Padre Quevedo: A farsa de Chico Xavier

Esse instigante texto é leitura obrigatória para quem quer saber das artimanhas de um grande deturpador do Espiritismo francês, e que se promoveu através de farsas "mediúnicas" que demonstram uma série de irregularidades. Publicamos aqui em memória ao parapsicólogo Padre Oscar Quevedo, que morreu hoje, aos 89 anos. Para quem é amigo da lógica e do bom senso, lerá este texto até o fim, nem que seja preciso imprimi-lo para lê-lo aos poucos. Mas quem está movido por paixões religiosas e ainda sente fascinação obsessiva por Chico Xavier, vai evitar este texto chorando copiosamente ou mordendo os beiços de raiva. A farsa de Chico Xavier Por Padre Quevedo Francisco Cândido Xavier (1910-2002), mais conhecido como “Chico Xavier”, começou a exercer sistematicamente como “médium” espiritista psicógrafo à idade de 17 anos no Centro Espírita de Pedro Leopoldo, sua cidade natal. # Durante as últimas sete décadas foi sem dúvidas e cada vez mais uma figura muitíssimo famosa. E a...

Chico Xavier apoiou a ditadura e fez fraudes literárias. E daí?

Vamos parar com o medo e a negação da comparação de Chico Xavier com Jair Bolsonaro. Ambos são produtos de um mesmo inconsciente psicológico conservador, de um mesmo pano de fundo ao mesmo tempo moralista e imoral, e os dois nunca passaram de dois lados de uma mesma moeda. Podem "jair" se acostumando com a comparação entre o "médium cândido" e o "capitão messias". O livro O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll & Mr. Hyde) , de Robert Louis Stevenson, explica muito esse aparente contraste, que muitas vezes escapa ao maniqueísmo fácil. É simples dizer que Francisco Cândido Xavier era o símbolo de "amor" e Jair Bolsonaro é o símbolo do "ódio". Mas há episódios de Chico Xavier que são tipicamente Jair Bolsonaro e vice-versa. E Chico Xavier acusando pessoas humildes de terem sido romanos sanguinários, sem a menor fundamentação? E o "bondoso médium" chamando de "bobagem da grossa" a dúvida que amigos de Jair Presente ...

O grande medo de Chico Xavier em ver Lula governando o país

Um bom aviso a ser dado para os esquerdistas que insistem em adorar Francisco Cândido Xavier é que o "médium" teve um enorme pavor em ver Luís Inácio Lula da Silva presidindo o Brasil. É sabido que o "médium" apoiou o rival Fernando Collor de Mello e o recebeu em sua casa. A declaração foi dada por Carlos Baccelli, em citação no artigo do jurista Liberato Póvoas ,  e surpreende a todos ao ver o "médium" adotando uma postura que parecia típica nas declarações da atriz Regina Duarte. Mas quem não se prende à imagem mitificada e fantasiosa do "médium", vigente nos últimos 40 anos com alegações de suposto progressismo e ecumenismo, verá que isso é uma dolorosa verdade. Chico Xavier foi uma das figuras mais conservadoras que existiu no país. Das mais radicais, é bom lembrar muito bem. E isso nenhum pensamento desejoso pode relativizar ou negar tal hipótese, porque tal forma de pensar sempre se sustentará com ideias vagas e devaneios bastante agr...

Chico Xavier foi o João de Deus de seu tempo

Muitos estão acostumados com a imagem de Francisco Cândido Xavier associado a jardim floridos, céu azul e uma série de apelos piegas que o fizeram um pretenso filantropo e um suposto símbolo de pacifismo, fraternidade e progresso humano. Essa imagem, porém, não é verdadeira e Chico Xavier, por trás de apelos tão agradáveis e confortáveis que fazem qualquer idoso dormir tranquilo, teve aspectos bastante negativos em sua trajetória e se envolveu em confusões criadas por ele mesmo e seus afins. É bastante desagradável citar esses episódios, mas eles são verídicos, embora a memória curta tente ocultar ou, se não for o caso, minimizar tais episódios. Chico Xavier é quase um "padroeiro" ou "patrono" dos arrivistas. Sua primeira obra, Parnaso de Além-Túmulo , é reconhecidamente, ainda que de maneira não-oficial, uma grande fraude editorial, feita pelo "médium", mas não sozinho. Ele contou com a ajuda de editores da FEB, do presidente da instituição e dublê ...

Carlos Baccelli era obsediado? Faz parte do vale-tudo do "espiritismo" brasileiro

Um episódio que fez o "médium" Carlos Bacelli (ou Carlos Baccelli) se tornar quase uma persona non grata  de setores do "movimento espírita" foi uma fase em que ele, parceiro de Francisco Cândido Xavier na cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, estava sendo tomado de um processo obsessivo no qual o obrigou a cancelar a referida parceria com o beato medieval de Pedro Leopoldo. Vamos reproduzir aqui um trecho sobre esse rompimento, do blog Questão Espírita , de autoria de Jorge Rizzini, que conta com pontos bastante incoerentes - como acusar Baccelli de trazer ideias contrárias a Allan Kardec, como se Chico Xavier não tivesse feito isso - , mas que, de certa forma, explicam um pouco do porquê desse rompimento: Li com a maior atenção os disparates contidos nas mais recentes obras do médium Carlos A. Bacelli. Os textos, da primeira à última página, são mais uma prova de que ele está com os parafusos mentais desatarraxados. Continua vítima de um processo obsessi...

"Mediunidade" de Chico Xavier não passou de alucinação

  Uma matéria da revista Realidade, de novembro de 1971, dedicada a Francisco Cândido Xavier, mostrava inúmeros pontos duvidosos de sua trajetória "mediúnica", incluindo um trote feito pelo repórter José Hamilton Ribeiro - o mesmo que, ultimamente, faz matérias para o Globo Rural, da Rede Globo - , incluindo uma idosa doente, mas ainda viva, que havia sido dada como "morta" (ela só morreu depois da suposta psicografia e, nem por isso, seu espírito se apressou a mandar mensagem) e um fictício espírito de um paulista. Embora a matéria passasse pano nos projetos assistencialistas de Chico Xavier e alegasse que sua presença era tão agradável que "ninguém queria largar ele", uma menção "positiva" do perigoso processo do "bombardeio de amor" ( love bombing ), a matéria punha em xeque a "mediunidade" dele, e aqui mostramos um texto que enfatiza um exame médico que constatou que esse dom era falso. Os chiquistas alegaram que outros ex...

Chico Xavier, que abençoou João de Deus, fez assédio moral a Humberto de Campos Filho

HUMBERTO DE CAMPOS FILHO SOFREU ASSÉDIO MORAL DE CHICO XAVIER PARA TENTAR ABAFAR NOVOS PROCESSOS JUDICIAIS. Dizem que nunca Uberaba ficou tão próxima de Abadiânia, embora fossem situadas em Estados diferentes. Na verdade, as duas cidades são relativamente próximas, diferindo apenas na distância que requer cerca de seis horas e meia de viagem. Mas, com o escândalo de João Teixeira de Faria, o João de Deus, até parece que as duas cidades se tornaram vizinhas. Isso porque o "médium" Francisco Cândido Xavier, popularmente conhecido como Chico Xavier, em que pese a sua reputação oficial de "espírito de luz" e pretenso símbolo de amor e bondade humanas, consentiu, ao abençoar João de Deus, com sua trajetória irregular e seus crimes. Se realmente fosse o sábio e o intuitivo que tanto dizem ser, Chico Xavier teria se prevenido e iniciado uma desconfiança em torno de João de Deus, até pressentindo seu caráter leviano. Mas Chico nada o fez e permitiu que se abrisse o c...

Chico Xavier causou confusão mental em muitos brasileiros

OS DOIS ARRIVISTAS. Por que muitos brasileiros são estupidamente reacionários? Por que há uma forte resignação para aceitar as mortes de grandes gênios da Ciência e das Artes, mas há um medo extremo de ver um feminicida morrer? Por que vários brasileiros passaram a defender o fim de seus próprios direitos? Por que as convicções pessoais prevalecem sobre a busca pela lógica dos fatos? O Brasil tornou-se um país louco, ensandecido, preso em fantasias e delírios moralistas, vulnerável a paixões religiosas e apegado a padrões hierárquicos que nem sempre são funcionais ou eficientes. O país sul-americano virou chacota do resto do mundo, não necessariamente porque o Primeiro Mundo ou outros países não vivem problemas de extrema gravidade, como o terrorismo e a ascensão da extrema-direita, mas porque os brasileiros permitem que ocorram retrocessos de maneira mais servil. Temos sérios problemas que vão desde saber o que realmente queremos para nossa Política e Economia até nossos apego...

Caso João de Deus é apenas a ponta do iceberg de escândalos ainda piores

A FAMIGLIA "ESPÍRITA" UNIDA. Hoje o "médium" e latifundiário João Teixeira de Faria, o João de Deus, se entregou à polícia de Goiás, a pedido do Ministério Público local e da Polícia Civil. Ele é acusado de assediar sexualmente mais de 300 mulheres e de ocultar um patrimônio financeiro que o faz um dos homens mais ricos do Estado. João nega as acusações de assédio, mas provas indicam que eles ocorreram desde 1983. Embora os adeptos do "espiritismo" brasileiro façam o possível para minimizar o caso, ele é, certamente, a ponta do iceberg de escândalos ainda piores que podem acontecer, que farão, entre outras coisas, descobrir as fraudes em torno de atividades supostamente mediúnicas, que, embora com fortes indícios de irregularidades, são oficialmente legitimadas por parecerem "agradáveis" e "edificantes" para o leitor brasileiro médio. O caso João de Deus é apenas o começo, embora ele não tenha sido o único escândalo. Outro...

Dr. Bezerra de Menezes foi um político do PMDB do seu tempo

O "espiritismo" vive de fantasia, de mitificação e mistificação. E isso faz com que seus personagens sejam vistos mais como mitos do que como humanos. Criam-se até contos de fadas, relatos surreais, narrativas fabulosas e tudo. Realidade, que é bom, nada tem. É isso que faz com que figuras como o médico, militar e político Adolfo Bezerra de Menezes seja visto como um mito, como um personagem de contos de fadas. A biografia que o dr. Bezerra tem oficialmente é parcial e cheia de fantasia, da qual é difícil traçar um perfil mais realista e objetivo sobre sua pessoa. Não há informações realistas e suas atividades são romantizadas. Quase tudo em Bezerra de Menezes é fantasia, conto de fadas. Ele não era humano, mas um anjinho que se fez homem e se transformou no Papai Noel que dava presentinhos para os pobres. Um Papai Noel para o ano inteiro, não somente para o Natal. Difícil encontrar na Internet um perfil de Adolfo Bezerra de Menezes que fosse dotado de realismo, most...